segunda-feira, 23 de março de 2009

Pontuando as verdades

O relógio marcava 3 horas da manhã. Ela dormia profundamente quando ouviu o telefone tocar. Acordou assustada e mal conseguiu ver o nome que acusava na bina. Ainda sonolenta, com a voz rouca, atendeu a ligação. Do outro lado, uma voz já conhecida, simplesmente dizia:

Preciso te ver!
Que horas são?
Quase 3horas. Preciso te ver, agora!
Você é louco?! Amanhã conversamos.
Amanhã não! Precisa ser agora. Estou em frente ao seu prédio, abre o portão para podermos conversar.

Desde o último encontro, há 3 meses, ela não tinha mais notícias dele. Durante 11 anos foram amigos confidentes, mas agora pareciam dois estranhos. Ela não reconhecia seus impulsos, sua arrogância, suas palavras desconexas. Ele não reconhecia suas palavras duras, indiferentes, sua falta de credulidade.

Na última vez que estiveram juntos, percebeu que ele a olhava longamente, como se tentasse adivinhar seus pensamentos. Enquanto ela falava do trabalho, ele afagava seus cabelos, às vezes, recostava suas mãos em seus braços, como se quisesse protegê-la. Mesmo assim, ela o sentia distante. Tentava falar sobre banalidades, mas ele não conseguia acompanhar o raciocínio. Estava longe.


O que está acontecendo com você? O que é tão importante que não dá para ser outra hora?
Não é assunto para ser ao telefone. Me deixa subir, por favor.

Ela não conseguia ignorá-o. Apesar de confusa, era seu amigo quem estava ali, eram 11 anos de amizade sendo colocados à prova. Sabia que para tamanha euforia, fosse qual fosse o assunto, estava sufocando-o.


Então, o que é tão urgente?
Preciso de um banho!
Você não fez essa algazarra toda por um banho. E antes que eu perca o que resta da minha paciência, acho melhor você explicar o que está acontecendo.
Você só pode ser uma cega para não perceber o que acontece.
Ou talvez, eu prefira não ver para não ter que fazer uma escolha.

Há tempos ela evitava esse confronto. Talvez não tivesse certeza, mas sabia exatamente que as coisas já não eram como antes. Ela não sabe bem como as coisas evoluíram, mas sabia que ao se dar conta, não poderia faltar com a verdade. Ela tremia. Estava tensa. Suas respostas serviam como refúgio, buscava defender-se de seus próprios sentimentos.

Eu quero você!
Você não sabe o que está falando.
Nunca estive tão certo. Tudo que eu quero, está na minha frente! Fui um tolo de fugir e tentar me esconder disso, mas agora eu estou aqui, e você é a única pessoa que pode colocar um fim nessa agonia.
Vá embora, por favor!
Não! Não antes de você me dar uma chance.
Somos amigos! Você sabe bem disso. Não dá para transformar carinho em paixão, pelo menos, não dá noite para o dia. Ah, por favor, não faça isso. Vá embora!,

Eu quero estar ao seu lado. Não é uma questão de corpos, mas de sentimentos. Quero sentir o seu cheiro, ouvir a sua voz, conversar sobre o seu dia. Quero acariciar seus cabelos, sentir a suavidade da sua pele, envolvê-la nos meus braços e fazê-la dormir.

Estava diante da cena mais encantadora da sua vida, e da mais terrível. Sabia que não o correspondia. Não negava a química que por tantas vezes a fez perder o chão, mas sabia que era apenas uma atração gerada pela intimidade que os unia. A verdade explodia de sua boca, e antes mesmo que se desse conta, viu seus olhos encherem d'água.

Oh, não! Por Deus, vá embora!
Você tem certeza disso? Tem certeza que não me quer? Que não podemos tentar?
Eu não poderia mentir para você. Lembra? Supersinceros!

Ela o viu baixar a cabeça. Silenciosamente, pediu que a perdoasse. Conseguiu lembrar de tudo que viveram até ali. Desde o dia que se conheceram, riram, brincaram, discutiram, se amaram... Mas, o envolvimento de um estava colocando um ponto final naquela brincadeira de criança, que aos poucos, foi se tornando incrivelmente deliciosa. Se lembrava com carinho dos reencontros. O tempo e a distância não foram capazes de apagar a afinidade, o respeito, tão pouco, a cumplicidade.

Não faz isso comigo, minha querida! Pelo Amor de Deus, isso não se faz...
Pensa que é fácil para mim? Mata-me a sua angústia e o seu desespero. Faz me sentir um lixo úmido e fétido por não ser capaz de corresponder a ti. Mas não posso enganar a nós, não nos faria bem... Ah, deixa o tempo passar e vai perceber que está confuso. É apenas uma carência e há de passar. Te juro!

Sentia seu estômago embrulhar. Queria acabar com aquela cena o quanto antes, voltar a dormir e esquecer essa noite. Jamais voltaria a pensar nela e, algum dia, seria compreendida. Teria seu amigo de volta e iriam rir desse episódio. Mas, por hora, tudo que via era seu melhor amigo sendo invadido por um amor não correspondido. Que ironia do destino! Ela que por tantas vezes o abrigou em seus braços consolando-o, agora o principal motivo da sua dor. Perdoa-me, amigo, diziam seus olhos. Perdoe-me por não ser digna do seu amor.

Ele não entendia. Estava ferido, desolado. Se esqueceria da amizade, do carinho, das horas e sinceridades compartilhadas. Se esqueceria daquela que por tantas vezes o fez sorrir com suas teses mirabolantes sobre o seu comportamento imaturo, porém doce e cativante. No fundo, admirava o seu orgulho e sua vontade de ser feliz e a recompensaria com a sua ausência... No fundo, não importava se ele nunca mais a teria por perto, desde que nunca mais sua querida amiga perdesse o sorriso.

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